Artículo de revista

Talib, Rosângela Aparecida; Citeli, Maria Teresa

Serviços de aborto legal em hospitais públicos brasileiros (1989-2004)
Talib, Rosângela Aparecida; Citeli, Maria Teresa - 2005 - Dossiê, Católicas pelo Dereito de Decidir

Palabras claves : hospital
País : Brasil

Resumen : Uma pesquisa que comprova como os serviços de aborto garantidos por lei ainda são vistos sob o prisma da ilegalidade. Esse foi o trabalho coordenado pela psicóloga Rosângela Aparecida Talib, doutoranda em Ciências da Religião, membro da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) - entidade de caráter ecumênico que trabalha para a mudança nos padrões culturais e religiosos a partir do respeito à diversidade, a liberdade e a justiça. O dossiê Serviços de Aborto Legal em Hospitais Públicos Brasileiros (1989-2004) foi organizado a partir do projeto de CDD que visa sensibilizar os profissionais de saúde que atuam nos hospitais que oferecem o serviço de aborto legal no país sobre as questões ético-religiosas que envolvem a interrupção da gravidez. Em prática desde 2000 pela Ong, foram verificados no decorrer da realização do prometo dados e informações até então desconhecidos do Ministério da Saúde, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), de Ong's e de estudiosos do assunto. Com os dados colhidos, durante 2004 novas informações foram levantadas para a sistematização do dossiê, que mostra como influências e conceitos católicos trazem conseqüências danosas para a vida de mulheres, alteram o trabalho realizado pelos profissionais de saúde e impedem o acesso, principalmente das menos favorecidas, a políticas públicas relacionadas ao aborto. No Brasil, o Código Penal de 1940, ainda vigente, só não pune os casos de aborto praticados por médicos em duas situações: se não há outro meio para salvar a vida da gestante ou caso a gravidez seja resultado de estupro. Apesar disso, durante cinco décadas as mulheres que se enquadravam nesses casos não dispuseram de atendimento público gratuito, pois o serviço só começou a ser implantado em 1989. Para estudar as políticas de atendimento nos casos de aborto legal foram pesquisados 56 hospitais públicos estaduais, municipais e universitários em 24 unidades da federação a partir de julho de 2004. Os dados, registrados até dezembro de 2004, foram coletados por telefone, visitas, e-mails e faxs e foi preciso superar a falta de registros sistematizados, a dificuldade de acesso aos responsáveis pelas equipes e a relutância dos profissionais em repassar as informações. De acordo com o levantamento, 37 instituições afirmaram prestar atendimento aos casos de aborto previsto por lei. Deste número, 78% disseram ter realizado de 0 a 30 serviços. Ainda segundo a pesquisa, apenas dois hospitais localizados na cidade de São Paulo (Região Sudeste) registraram mais de 270 atendimentos. Em cinco unidades da federação, localizadas em três diferentes regiões do país, as mulheres não dispõem de serviços de aborto legal: Roraima, Amapá e Tocantins (Norte), Piauí (Nordeste) e Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste). Em dois outros Estados, Ceará e Goiás, apesar de existirem equipes treinadas, os serviços nunca foram usados. No total, a pesquisa revela que 1.266 interrupções de gravidez foram realizadas pelos serviços legais de aborto. De 1989 até 2002, foram registrados 845 procedimentos.Nos anos seguintes, 2003 e 2004, foi verificada certa estabilidade: 161 e 171, respectivamente. Foi possível observar ainda que 70% dos atendimentos foram realizados na Região Sudeste, que recebe encaminhamentos de todas as regiões do país. "É fácil perceber que os discursos alarmistas produzidos pelos setores conservadores, principalmente a Igreja Católica, afirmando que a disponibilidade destes serviços provocaria uma avalanche de mulheres burlando a lei (presumivelmente mentindo) para provocar abortamentos está longe de ser confirmado", explica Rosângela Aparecida Talib, autora da pesquisa. Outra questão chave é a exigência do Boletim de Ocorrência (BO) Policial para a realização do procedimento cirúrgico. De acordo com os dados levantados, 70% das instituições ainda exigem o documento, que desde a primeira Norma Técnica para prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes (1999), do Ministério da Saúde - revista e atualizada em 2005 -, não é tida como um elemento que impeça a realização do aborto em casos de estupro, mas sim como um procedimento que registre a violência sofrida. Nesse contexto, é relevante citar ainda que no início de setembro de 2005 o Ministério da Saúde concedeu a liberação do BO nos casos de estupro, medida que vai na contramão da determinação do Conselho Federal de Medicina, que exige o documento. A pesquisa também constatou que muitos hospitais exigem o laudo do IML, exigência esta desnecessária para o atendimento. Também ficou claro que percentuais consideráveis de médicos desconhecem a legislação e as técnicas para realização do aborto legal. Foi constatado ainda que grande parte dos profissionais de saúde se recusa a prestar atendimento com base em preconceitos, medo de se expor a ameaças (internas e externas), acusações, ofensas, risco de discriminação e receio de processos judiciais. O trabalho ainda aponta as estratégias logísticas e discursivas em defesa da ordem tradicional mantida pela Igreja Católica: ações para barrar o acesso a contraceptivos ou ao aborto, agindo em casos e localidades específicas nas quais encontram receptividade de prestadores e gestores de serviço, pressão aos integrantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário e formação de discurso religioso para questionar a veracidade das políticas públicas em curso. Segundo as informações levantadas, especial atenção, apoio e acompanhamento merecem ser oferecidos aos profissionais atuantes nos Estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, nos quais a ofensiva conservadora da Igreja Católica tem interferido na implantação de serviços e Normas do Ministério da Saúde, na assistência a anticoncepção e até no cumprimento de alvarás judiciais. "A condição de ilegalidade, associada à de grave transgressão religiosa, não restringe a prática do aborto, justamente porque estas restrições não alteram as condições básicas que antecedem uma gravidez indesejada. No entanto, essa condenação tem conseqüências desastrosas, tanto no plano da economia e das políticas públicas, quanto na vida das mulheres, em termos de saúde física e psíquica, de exercício da autonomia e da cidadania", finaliza a autorada pesquisa.

Notes : Portugués/portugais/Portuguese